... abra os olhos... atire-se!

... essa rua, paralela a nossa praça, depois da meia-noite é tão silenciosa e tão morta que faz a gente pensar em homicídio ou suicídio, qualquer coisa que possa criar um vestígio de drama humano. Quando percebo que você partiu pra sempre, logo após ser metralhada por memórias vivas de nós... um grande vazio se abre, sinto que estou caindo no poço mais profundo de todos, estou sendo atirada à obscuridade desconhecida, me afogando e eu, quase sem fôlego, só tento gritar seu nome, mas isso não me trará de volta aqueles dias de sorrisos ensolaradas numa tarde cúmplice. Não, não trará... Então, lhe suplico, avise a essa dor imensurável e asfixiante de meu peito que não há nenhuma forma de acelerar a cicatrização ou dele retornar a bater da mesma maneira de antes, de antes de ser mergulhado no líquido amargo da rejeição, da decepção, do... questionamento incessante do “por que terminar, e por que terminar assim¿ do “onde que começou a terminar, por que não houve nenhum sobreaviso, um alerta de perigo...” Ele, ingenuamente, continuava a navegar, tranquilamente, ao sabor das ondas calmas da ilusão recíproca. Não, não era recíproca! Ele despertou em meio a uma tempestade de raiva, dilúvio de ‘esbravejações’ sem sentido, de acusações e incompreensão. Ela se afogou, antes, no amor, e se afogou, depois, em ressentimento. E estes são, sem dúvida, perdições humanas, que torna todos cúmplices do crime universal, que apresenta em forma de bóias, são âncoras.



Olhando pro nosso banco da praça, eu me ajoelho, leio mensagens de declarações eloqüentes pelo celular (de longas três semanas atrás), dor, dor, dor. Nada mais que isso... mas, dizem que é do sofrimento que se vem o esclarecimento, e se atrevem até a defender que o conhecimento deriva da dor. Nesse momento, não sinto nada além de garras dilacerando minha carne, meu peito se reduz ao tamanho de uma noz. Um grito surdo. Chamo seu nome, clamo por você, causa dos meus males, minha maior perdição. Continuo caindo, caindo, caindo... nada mais é o que parece. Não estou mais na praça, não ocupo mais nenhum espaço físico, nem nenhum espaço no tempo... estou no limbo desconhecido e asqueroso da súplica, do convalescimento, do definhamento derivado do sentimento tão tangível agora, penso só no “tudo que poderia ter sido e não foi”. Isso me desola, me atormenta, corroe minh’alma. Mas, ao menos, tenho um único culpado pra depositar toda essa lástima: você. Não mais estou no banco dos réus, com interrogações intermináveis advindas dessa única frase “onde foi que eu errei”. Não, não mais. E isso deveria me confortar, não¿! Não, pois ainda estou caindo, caindo, caindo...


E isto é pior que lágrimas, mais insuportável que o pesar, a dor ou a tristeza, este é o abismo que lançaram as almas que nunca compreenderam e assentiram as perdas da vida, as almas que clamam por racionalização de sentimentos à qualquer custo, as ‘almas desalmadas’. Estou no abismo que lançaram satã. Não, não há meio de subir, de escalar essas paredes sólidas por fora e escorregadias por dentro do orgulho, qualquer esforço seria em vão, eu sei. Não há raio de luz, nem o mais miserável som humano, nenhuma voz, nenhum resquício do que foi. Nada de você. Nada... Tudo em mim...


Quantas mil vezes, caminhando pelas ruas, à noite, me perguntei se não voltariam nunca aqueles dias em que você era minha asa, não essa âncora.


Eu lhe entreguei, num embrulho de uma vida, as minhas duas. Agora, rastejo no limbo. Antes, cega. Agora, breu.



[ mas, nem por isso... sempre me atiro no penhasco novamente, de onde já caí. Acumulando cicatrizes do tempo, é inevitável, muito embora seja uma escolha.]