Somos o que nos falta... sempre.

Não, não somos só matéria. Deixei as certezas do ateísmo de lado. Entrei nos mistérios humanos, na incompreensão angustiante por um sentido pra vida, na alma de incertezas que habitam sorrateiramente os pensamentos edificados em pretensas verdades absolutas. Antes, é verdade, eu me sentia mais confortável, pisando em solo conhecido e previsível. Hoje, apesar de estar em terreno movediço, avisto com mais freqüência o oásis beatificado de belas incertezas, que não necessitam de explicação, que, aliás, fogem de qualquer explicação empírica, racional e ponderada. Não são, estão ...



Não, não sou só matéria. Quando eu senti a brisa da manhã acalentar minha chaga da madrugada, eis a resposta, do além. Minha vida é o imensurável, o inexplicável, as coincidências, vidas cruzadas, uma leve brisa numa tarde quente... tudo que me toca, tudo que nos toca. Somos tocados, eis uma das muitas verdades que não almejam o absoluto, somente engrandecem nossa interrogativa existência. Quando eu tive epifânias de uma vida inteira ao fechar um livro de poesia. Quando, numa época conturbada da adolescência, numa rebelião inusitada contra o pai, ouvi “Sometimes you can't make it on your own", do u2, tocou... algo aconteceu entre a identificação imediata com a música e a melodia, os acordes que se misturavam com a minha vida, com o que eu era... muito embora já não fosse mais a mesma... Quando minh’alma se acalmou, pois tinha encontrado refúgio, o refúgio ideal: tempestuosas e angustiantes confissões de outro indagador, era um diário (tarde demais, já era cúmplice). Quando minhas palpitações aceleravam ao prever a iminente citação, quando me aproximava da intenção daquelas palavras, que adquiriam vida própria, que me fazia crer, destruía esperanças, me fazia amar, chorar, sorrir e até desprezar, mas, sempre, em algum momento, me identificava, era eu ali, uma palavra, várias palavras, todas as palavras, não ditas, era eu. O silêncio, o entre, o espaço entre elas, o vão de ausência, ali estava também, ali se fazia o que eu entendia como compreensão... comunicação... Não era só isso... podia estabelecer diálogos com qualquer um, vivo ou morto. Não havia mais limites. Minha alma percorria terrenos nunca dantes nem imaginados. Isso me fazia mais, me fazia mais que o que poderia provar pela empiria cientifica e racional. Como explicar a magia dos universos todos, flutuando em minha mente, se meus pés ainda eram raízes num cimento¿! Deixei o ateísmo, fui pro agnóstico. Não satisfeita em “ter um lado espiritual indiferente de religiões”, hoje minha religião são todas. Me comungo te tudo e todos. Fui excomungada do “apriori”, me comungo com o mundo que sinto. Todas que me toquem, que me fascinem, que retirem vestígios desse pó de cimento de minhas asas. Sou mais livre, pois assumi, pra todos os ventos, que não pertenço a nada, que sou tudo, sou nada. Que me interesso e acabo assumindo a identidade de tudo aquilo que me faz flutuar, que me instiga, que me fascina, que me coloque no meu devido lugar, enfim: lugar algum. Lugar algum se não houver o toque. Como um sino, de tempos em tempos, seu badalo tem que se fazer ouvir, tem que ser tocado, para que outras pessoas também o sintam. Deixar-se ser afetado, ‘apenas.’ A presença na ausência. Não, não é a saudade. Digo no sentido de ansiar por aquilo que ainda não me pertence, o novo. O novo sentimento, a nova experiência, o novo toque. Ser tocado por aquilo que, antes, não existia. Eis o que move o mundo.


Não, não somos só matéria. Não, não somos. Recusemos-nos a ser tratado como se o fôssemos. Não se esvazie a esse ponto. Perca o controle, saia do concreto, galgue e conquiste as areias movediças. Estará tudo bem, você possuíra asas, então.

O que nos toca... uma música, uma brisa, uma poesia.

[....]Você?!

Somos música, brisa e poesia. Somos o que nos toca, como qualquer outro instrumento musical; como qualquer outra caneta e folha em branco, impacientes por palavras; como uma poesia, sedenta por se fazer tocar...





Emilaine, Abril, 2010.